Perdoa-me
a franqueza, a quase audácia da confissão.
Mas,
neste momento, tu me pareces terrivelmente abstrato.
Tão
distante, que minha alma se angustia como alguém
que
procura um objeto que já não existe.
Terei
sido hipócrita durante todo este tempo?
Usando-te
apenas como elemento de prestígio,
mas
sem nenhuma convicção da existência tua?
Mas,
se assim fosse, por que te escrevo?
Por
que me dói tanto sentir-me distante?
Como
posso compreender o grito do poeta:
Onde
estás que não me respondes?
E
o clamor do patriarca:
Que
mal te fiz, Espreitador de homens?
Não
és o autor de tudo?
Não
tens nas mãos todo o poder?
Que
esperas, então, para transformar-me em algo útil, digno da tua
coleção?
Não
te parece uma omissão cruel?
Tu
o sabes; aliás, tu mesmo o afirmaste:
Sem
mim, nada podeis fazer.
No
entanto, aí estás, invisível em algum lugar, gozando sua
perfeição,
enquanto,
cá embaixo, eu me debato.
Verme
sob o monturo, cavando uma abertura na direção do sol.
É
isso justo?
Talvez.
É
misericordioso?
Não
sei.
Bem,
posso compreender que queiras instruir-me por meio de alguma forma de
dor.
Mas
não te seria mais fácil modelar-me de uma só vez?
Trocando
logo o pano velho pelo novo, sem me submeteres
a
um processo que é a minha limitação e parece longo e cruel?
Já
uma vez prometeste trocar meu medo por uma canção.
E
eu cantei por algum tempo.
Mas,
agora, mais uma vez me escapas, e eu me sento ao pé
de
um fogo pagão para aquecer-me, e para esquecer.
Não
será preciso que o galo cante para fazer-me lembrar que não é meu
lugar aqui.
Quer
eu fuja, quer me cale, descobrirão que nossos caminhos se cruzaram
um dia,
e
a marca ficou indelével, como um timbre a ferro e fogo.
Por
isso, já que nem mesmo tua onipotência pode retirar o que me deste,
volta!
Vem
ter comigo, ou leva-me para onde estás.
Se
o meio é a morte, não importa.
O
essencial, o desesperadamente necessário, é apenas tu mesmo.
Amante
de minha alma, Senhor do meu destino, Raboni meu!
Myrthes Mathias
(extraído
do livro Consolo, Editora Cultura Cristã)
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