domingo, 4 de fevereiro de 2018

NÃO TENHO TEMPO



Sabe, meu filho,
Até hoje não tive tempo para brincar com você,
Arranjei tempo para tudo,
Menos para ver você crescer.
Nunca joguei
dominó,
dama,
xadrez,
ou batalha naval com você.
Percebo que você me rodeia,
Mas sabe, sou muito importante
e não tenho tempo!
Sou importante para números,
convites sociais,
Uma série de compromissos inadiáveis...
E largar tudo isso para sentar no chão
com você?!...
Não, não tenho tempo!
Um dia você veio com o caderno da escola
para o meu lado,
Não liguei, continuei lendo o jornal,
Afinal, os problemas internacionais
São mais sérios do que os de minha casa.
Nunca vi seu boletim
nem sei quem é sua professora.
Não sei qual foi sua primeira palavra.
Também, você entende...
não tenho tempo!
De que adianta saber as minimas
coisas de você
Se eu tenho outras grandes
coisas a saber?
Puxa como você cresceu!



Você já passou da minha
 cintura.
Está mais alto!
Eu não havia reparado
 nisso!
Aliás, não reparo em
 quase nada,
minha vida é corrida
E quando tenho tempo,
prefiro usá-lo lá fora.
E se uso aqui, perco-me
calado diante da TV,
Porque a TV é 
importante e
me informa muito...
Sabe, meu filho...
Sei que você se queixa,
Que você sente falta de
uma palavra,
De uma pergunta minha,
De um corre-corre,
De um chute na sua
bola.
Mas eu não tenho
tempo!...
Sei que você sente falta
do abraço e do riso,
Do andar a pé até a
padaria
para comprar guaraná,
Do andar a pé até o
 jornaleiro
para comprar gibi,
Mas sabe há quanto
 tempo não
ando a pé na rua?
Não tenho tempo!...
Mas você entende, sou
 um homem importante,
Tenho que dar atenção 
a muita gente,
Dependo dela...
Filho, você não entende
de comércio!...
Na realidade, sou um
 homem sem tempo!
Sei que você fica
 chateado,


Porque as poucas vezes que
falamos é monólogo, só eu falo.
E noventa e nove por cento é bronca:
Quero silêncio, quero sossego!
E você tem a péssima mania
de vir correndo sobre a gente.
Você tem a mania
de querer pular nos
braços dos outros...
Filho, o que você entende de
computador,
comunicação,
cibernética,
racionalismo?
Você sabe quem é Marcuse, McLuhan?
Como é que vou parar para
conversar com você?
Sabe, filho,
Não tenho tempo!
Mas, o pior de tudo,
O pior de tudo é que...
Se você morresse agora,
já, neste instante,
Eu ficaria com um peso na consciência,
Porque até hoje
Não arrumei tempo para
brincar com você,
E, na outra vida, por certo,
Deus não TERÁ TEMPO
De me deixar,
pelo menos, vê-lo!

Extraído da SAF em revista – agosto 2005
- Neimar de Barros

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