segunda-feira, 20 de novembro de 2017

TESOURO DAS ESCURIDADES


Deus me deixou conhecer o remorso:
sentir-me réptil e verme;
ré e promotora, o dedo estendido na própria direção,
num ângulo só possível numa consciência que se debate na angústia de voltar atrás,
começar de novo,
suplicando a graça única de mais uma oportunidade que, provavelmente,
se perderia mais uma vez...

Deus me permitiu passar pela dor sem esperança de cura, sem promessa de libertação...

Deixou-me conhecer o abandono, o esquecimento,
a solidão, maior ainda porque não no deserto “onde feras e anjos” fazem companhia,
mas no meio da multidão...

Permitiu-me passar pela tentação...
Não foi tudo de uma vez só.
Houve uma seqüência, um “crescendo” para baixo,
sempre para baixo, até onde os por quês não encontram resposta,
nem no céu, nem no inferno...

E então, só então na escuridão compacta,
Sólida, o milagre aconteceu:
A pedra bruta fez-se brilhante lapidado,
mais precioso ainda contra o fundo negro da dor.

E eu retornei:
marcada e exausta como quem sai de uma batalha;
exultante como quem volta com os despojos.
Não saberei nunca por que foi preciso descer a tal escuridade,
mas terei sempre um “para que” como início da resposta que Deus quer que eu seja:
Quando me confessarem erros, chorarem fracassos,
clamarem por oportunidades perdidas, falarem de dor,
haverá uma sinceridade muito maior em meu gesto de consolo,
minha palavra de compreensão:
uma identificação só possível naqueles que,
passando pelas “escuridades”, lembraram-se das promessas,
tomaram posse delas e voltaram com os seus “tesouros”,
tão mais preciosos por causa do contraste,
do milagre que lembram,
do preço que custaram ao Senhor!...

(Deus fala na Sombra, Editora Juerp, 1985, p.10)

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